terça-feira, novembro 14, 2006

Vai-se vivendo...

Tenho por norma, sempre que, nesse reecontro com aqueles com quem não falamos há escassas horas ou aqueles que não vimos há tantas como esses mas cujo contacto só conseguimos que seja virtual, me perguntam se estou bem, responder que sim, que 'vou andando'. E vou, não vou mais depressa para tentar não tropeçar. A verdade é que tropeço de qualquer forma e muitas vezes na mesma pedra!E nem as nódoas negras lembram este orgão pulsante de não passar novamente pelo mesmo caminho. Este coração que parece não ter memória de espécie alguma e que teima em se deixar levar por promessas imaginárias céus azuis e nuvens de algodão. Porque o meu coração é ingenuidade, mas uma ingenuidade insultuosa de tão aguda que é! Mas não consigo educá-lo, ele é assim. E tenho pena que hoje já não se sinta o amor como eu o sonho sentir, na sua verdadeira essência. E isso faz-me partilhar convosco um texto que adorei de Miguel Sousa Tavares in Expresso. O nome é 'Elogio ao Amor' que é exactamente o que eu desejo fazer com isto. E não crio eu o meu próprio testemunho porque nunca conseguiria exprimir-me melhor que este Senhor. Assim, fico minhas as suas palavras. Deliciem-se :

' Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas.Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber.Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática.O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço.Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banançides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?O amor é uma coisa, a vida é outra.O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos.Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo.O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar.O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra.A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente.O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.O amor é uma coisa, a vida é outra.A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz.Não se pode ceder. Não se pode resistir.A vida é uma coisa, o amor é outra.A vida dura a Vida inteira, o amor não.Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também. '



Isto não é um post do contra? É pois! Contra :

- a futilidade e leviandade com que tratam o Amor;

- o uso do Amor como peneira para encobrir a solidão;

- o uso do Amor para o show off, para os outros, para fazer inveja;

- esta geração, rasca, que não respeita nem sabe o que é este sentimento.



E eu? Talvez também não saiba, mas espero por ele. Ansiosamente.

Enquanto isso, vou olhando os outros e...vai-se vivendo.



PS: mais noções sobre isto? Oiçam 'Não invoquem o Amor em vão' de Rui Veloso e Carlos Tê. É deliciosa.



3 comentários:

  1. ...

    Todas as frases e palavras foram já usadas.

    Speechless... once again!

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  2. Geração rasca?? Isso é o quê a nova série dos Morangos??

    =P

    Não li o texto do sinhor porque tu escreves melhor... e não me apeteceu, tenho de ir almoçar... mas acho que o Amor, como já disse postei e comentei ,é algo de psicossomático... Mas como tu dizes, esta "geração rasca" não sabe o que é ou o que fazer com o Amor...




    Gosto da foto de ti e do teu 'bitxa' como me disseste uma vez...

    _Zé_

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  3. Já conhecia o texto. Li-o num blog de uma amiga, sem saber que o autor era esse senhor. (Ela não mencionou.) Não gosto muito dele. Mas, o texto é super-interessante, e, claro, concordo com o que diz o cromo... Quer dizer, o Sr. Dr. (talvez) Miguel Sousa Tavares. Bem... Agora que sei que o Excelentíssimo escreveu tal coisa, sim... subiu uns pontitos na minha consideração. É caso pra dizer: És grande (com minúscula, note-se), pah!
    *
    Très bien, Menina Laura!

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